Eu, Ovelha?

As escrituras ensinam que a relação entre o pastor e o rebanho de ovelhas, figurativamente, aponta para a relação do Senhor com seu povo. É a partir desta interação que iremos compreender nossa natureza, nossa responsabilidade coletiva, e os processos de nossa jornada existencial.

CARACTERÍSTICAS DA OVELHA

A ovelha normalmente é criada em rebanhos. E um animal dócil, que precisa ser protegida contra predadores. Em algumas culturas representa inocência. Possui baixa audição, olfato reduzido, e uma visão limitada quando comparada a outros ovinos. Porém possui uma capacidade inata de reconhecer a voz do pastor do rebanho ao qual pertence. Isto revela uma capacidade de memorização que a destaca de outros animais.

É da natureza da ovelha viver em busca de melhores condições de vida. Por isso, ela sempre está migrando de um lugar para o outro. Neste caso, a questão é como este processo ocorre.

A DINÂMICA EXISTENCIAL DA OVELHA

As minhas ovelhas ouvem a minha voz; Eu as conheço, e elas me seguem. – Jo 10:27

Em verdade todos nós, tal como ovelhas perdidas, andamos errantes; cada ser humano tomou o seu próprio caminho; e Yahweh fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. – Is 53.6

A palavra perdida tem sua raiz na expressão hebraica תעה ta’ah que significa perambular nos sentido físico, se desviar no sentido ético, e permanecer em confusão no aspecto mental e emocional. Já o ato de andar errante tem sua origem nas expressões  דרך derek  e פנה panah. Enquanto derek significa uma jornada, uma distância a ser percorrida ou curso da vida, panah se refere ao ato de se afastar, de tirar/sair do caminho ou virar as costas.

O aprisco do Senhor não é um lugar geográfico, mas uma realidade espiritual que se expressa em um ambiente físico. Quando Adão quebrou a Aliança, se desconectou da realidade na qual foi gerado. Seu desejo por autonomia e independência se levantou contra sua própria natureza. Feito a imagem e semelhança de Deus, agora tinha um outra aparência. Esta nova aparência comprometeu a sua sustentabilidade e longevidade e desencadeou um processo de degradação holística. – (Gn 3.9).

Adão escolheu ser o senhor de si mesmo. Não seria mais através do Pastor da humanidade que o seu caminho seria construído, mas seus passos seriam em direção ao futuro imaginado e desejado por si mesmo.

Quando uma Adão escolheu o seu próprio caminho, ele usurpou as prerrogativas do Pastor.

Na viração do dia, uma voz ecoou no Éden: “Adão onde estás?“. Nilton Bonder afirma que esta expressão não significa uma cobrança da parte de Deus, mas aponta para a disponibilização de Deus, em ir ao encontro de Adão novamente.

O caminho próprio da ovelha é um caminho de perdição, pois seu pavimento é a idolatria. Timothy Keller afirma que o conceito bíblico de idolatria é uma ideia extremamente sofisticada, integrando as categorias intelectual, psicológica, social, cultural, vocacional, religiosa e espiritual.

O que nos controla é nosso senhor. A pessoa que busca  poder é controlada pelo poder. A pessoa que busca aceitação é controlada por quem ela deseja agradar. Não controlamos a nós mesmos. Somos controlados pelo senhor da nossa vida.

– Timothy Keller

A ovelha desgarrada é aquela que sente saudades, mas não sabe mais retornar por si mesma. Por isso, é preciso que o Pastor vá ao seu encontro para resgatá-la e trazê-la para o aprisco novamente (Lc 15.4-7).

A maior dificuldade das pessoas é reconhecer que a grande busca não é por algo exótico, diferente, nunca provado. Elas querem algo que já possuem. Só que estão tão afastadas de si mesmas que não tem acesso a certos aspectos importantes de suas vidas. O destino final é indefinido porque não é um lugar geográfico (…) Abandone o lugar comum e vá em direção ao lugar que te mostrarei. Este lugar não é rotineiro, não é banalizado. Mas não é um lugar estranho para você. E este é o jogo do peregrino.

– Nilton Bonder

OS ESTADOS DA OVELHA

Estes são alguns estados em que uma ovelha pode se encontrar. Para cada um, existe um processo terapêutico e didático a ser trilhado.

  • A ovelha perdida: precisa de salvação (1Tm 2.4)
  • A ovelha desviada: precisa ser resgatada (Lc 15.4-6)
  • A ovelha ferida e machucada: precisa ser tratada e curada (2Co 2.6-8)
  • A ovelha fraca: precisa ser fortalecida (Lc 22.31-32)
  • A ovelha forte: precisa ser guardada e pastoreada (Jo 21.15-17)

Não importa em qual estado a ovelha se encontra, ela não tem domínio e não exerce controle sobre seu futuro. Mas na medida em que se deixa ser conduzida, renasce para sua natureza migratória, de alguém que está sendo conduzida de uma condição para outra, de um estado para outro, sempre seguindo em frente. Seu fim não é deixar de ser ovelha, mas é se tornar uma ovelha saudável, forte, madura e corresponsável pelo cuidado das outras ovelhas.

Enquanto no caminho autônomo se experimenta alienação, no aprisco se aprende a importância da corresponsabilidade.  No seu próprio caminho, a ovelha não se aliena apenas do Pastor, mas do convívio com as outras ovelhas. Enquanto no caminho próprio há espaço apenas para si mesmo, o aprisco é um lugar de relações de aliança.

Então o SENHOR inquiriu Caim: “Onde está teu irmão Abel?” Retrucou Caim: “Não sei; acaso sou eu o protetor do meu irmão?” Exclamou o SENHOR: “Que fizeste? Ouve! Da terra, o sangue do teu irmão clama a mim. – Gn 4.9-10

Nunca foi o propósito que os pastores fossem os únicos a prestar cuidado e aconselhamento na igreja local. A verdadeira mudança na congregação ocorre não apenas como resultado dos dons e serviços do pastor, mas dos dos e serviços de toda a igreja. O cuidado e o desenvolvimento [ocorre na medida] que os membros da igreja pastoreiam uns aos outros no contexto dos grupos pequenos [em outras palavras] a igreja precisa se tornar menor à medida que vai se tornando maior.

– Darrin Patrick

O PROCESSO DE MIGRAÇÃO: DEIXAR O LUGAR DOS IDOLOS E  SAIR PARA SI MESMO

Então o SENHOR veio a Abrão e lhe ordenou: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e dirige-te à terra que te indicarei! Eis que farei de ti um grande povo: Eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; serás tu uma bênção!  Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei aquele que te amaldiçoar. Por teu intermédio abençoarei todos os povos sobre a face da terra!” – Gn 12.1-3

Abrão foi conduzido em uma jornada de descoberta de si mesmo. Mas esta descoberta era restrita a sua identidade, mas na compreensão da interação que estava designada a partir dela. Por isso, há um paradoxo intrigante, em que אברם Abram (pai exaltado, arrogante, altivo) se tornasse אברהם ’Abraham (pai de uma multidão). Um homem comissionado para ser um pai de muitos filhos, na verdade foi pai de um filho legítimo, o qual Deus ordenou que fosse sacrificado.

O filho de Abraão no texto já não é mais a pessoa física de Isaque. O que está para ser imolado é o lugar ilusório que o filho de Abraão ocupa em sua identidade (…) Sai de ti Abraão, sai da tua fantasia e assassina teu filho – o ídolo escondido que levaste da terra de teu pai e que agora queres tornar imagem de tua própria pessoa e grandeza. Mata teu filho para mim, porque esse é o único caminho para a tua terra.

– Nilton Bonder

Uma das exigências do aprisco é que teremos que neutralizar a influência dos ídolos que podem estar enraizados em nosso coração. No aprisco só existe, um senhor, um pastor, um rebanho e um aprisco.

Aquela que está no aprisco e ouve a voz do bom Pastor, sabe para onde está sendo conduzida. Já aquela que se distancia e deixa de ouvi-lo, vive vagando sem saber quem é, mas sempre sente saudade do lugar que lhe é natural. Davi nos ensina a partir do Salmo 23 que a relação ovelha-Pastor envolve ser conduzido para conhecer Sua bondade e fidelidade.

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