Deus é perfeitamente autoexistente, ou seja, Ele não precisa de nada e ninguém para manter-se vivo. Por ser a própria fonte de vida, em Si está contida toda a vida existencial. Deus é aquele que existe por Si Mesmo!
É importante destacar que o objetivo da metanarrativa bíblica não é provar que Deus existe, porque os escritos bíblicos partem do pressuposto de que tudo existe a partir Daquele que é a fonte de toda existência. Assim como todas as coisas vieram a existência por meio Dele e sem Ele nada do que foi feito veio a existir (Jo1.3), Ele existe antes de todas as coisas e as sustenta em si mesmo (Cl 1.17). Por isso, a Bíblia se concentra em nos comunicar a respeito das ações e do caráter do Deus Triuno que sempre existiu!
Não podemos conhecer a Deus nas profundezas do Seu ser absoluto. Mas podemos, ao menos, conhecê-lo até onde Ele se revela em Sua relação conosco. (BERKHOF, 1990)
Quando pensamos a respeito dos atributos de Deus, precisamos ter em mente que são qualidades inseparáveis do “Ser de Deus”, e que no processo da revelação de Deus ao homem, o Senhor não apenas mostra seus atributos mas comunica sua Essência Divina, pois seu Ser é infinitamente maior do que a soma de todos os seus atributos.
AQUELE QUE EXISTE POR SI MESMO, NOS FAZ SER PARA ELE MESMO
Em Êxodo cap.3, Moisés estava diante de uma cena assombrosa. Da sarça que ardia e não se consumia, ouviu uma voz que o chamou pelo seu nome. Aquele que o conhecia, se fez conhecido, revelando-se a um homem em conflito consigo mesmo. Deus o chamou pelo nome, e revelou a ele seu Ser Soberano de essência autoexistente, e sua perfeita santidade de natureza pactual.
Neste chamado, Moisés em conflito com sua existência e um fugitivo de quem foi chamado para ser, foi reposicionado no ambiente histórico do pacto multigeracional de Deus com seu povo. Ele que fora anteriormente tirado das águas pela filha de Faraó, e treinado para ser um homem de governo no Egito, no monte Horebe foi resgatado de seu conflito existencial pelo Senhor, e ao se conhecer em Deus foi comissionado para ser um libertador do seu povo, atuando como um mediador do propósito eterno em sua geração. O Rei dos Reis e Senhor dos Senhores estava trazendo a existência o verdadeiro Moisés, que ainda não havia sido manifestado entre homens, enviando-o para subjugar em Seu Nome, o maior império do mundo em sua época.
Embora Deus Yahweh houvesse condescendido em aparecer e falar a Moisés, ele não permitiu Moisés pensar ou agir de forma que Deus colocasse de lado seu status ímpar de Deus – totalmente separado em essência da realidade criada. (GRONINGEN, 2002)
A presença do Deus Santo santificou o lugar onde revelou se revelou a Moisés (Ex 3.4-5). Mesmo sendo transcendente, Deus se identificava com a história de Moisés por meio da revelação da relação pactual com os patriarcas hebreus. Deus ao revelar sua natureza, caráter e propósito, compartilhou com Moisés que ele seria o agente salvador pactual, o representante ativo e presente de Deus entre o seu povo. O “Eu Sou” seria com Moisés em favor do povo que Ele mesmo chamou a existência a partir de Abraão. Na verdade, Moisés e Israel deveriam entender que quando Deus dizia que era “Eu sou mesmo o verdadeiro eu sou“, que seu Deus era o sempre presente, imutável e fiel Senhor pactual. Seu Nome era, de fato, Yahweh (GRONINGEN, 2002).
SE SOMENTE DEUS NOS FAZ SER, PORQUE LUTAMOS PARA TENTAR SER ALGUÉM A PARTIR DE NÓS MESMOS?
O profeta Ezequiel profetizou a respeito da condenação do Rei de Tiro, o qual é uma figura que simboliza a rebelião da humanidade contra Deus.
De novo a palavra do SENHOR veio a mim: Filho do homem, dize ao príncipe de Tiro: “Assim diz o SENHOR Deus: O teu coração se tornou arrogante, e disseste: Sou um deus; eu me assento no trono dos deuses, no meio dos mares; entretanto, tu és homem, e não deus, embora consideres o teu coração como se fosse o coração de um deus”. Por acaso és mais sábio que Daniel? Não há nenhum segredo que se possa esconder de ti? Enriqueceste e acumulaste ouro e prata nos teus tesouros pela tua sabedoria e pelo teu entendimento. “Aumentaste as tuas riquezas por tua grande habilidade comercial, e o teu coração se eleva por causa das tuas riquezas”; assim diz o SENHOR Deus: Já que consideras o teu coração como se fosse o coração de um deus, trarei estrangeiros sobre ti, os mais terríveis dentre as nações, os quais sacarão espadas contra a beleza da tua sabedoria e mancharão o teu resplendor. Eles te farão descer à cova; e terás morte violenta no meio dos mares.” Acaso dirás ainda diante daquele que te matar: Eu sou um deus? Mas, na mão do que te fere, tu és um homem e não um deus.” Ez 28.1-9
Por meio do contexto da vida do Rei de Tiro, um homem símbolo da humanidade em rebelião contra Deus, o Eterno continua nos lembrando que é impossível existir de maneira independente daquele que é a fonte de toda existência. Para o homem distante da relação com Deus, é mais cômodo procurar viver como se Deus não existisse. Ao omitir a existência do Criador, este mesmo homem se torna senhor do seu próprio caminho, estabelecendo assim, as suas próprias regras.
Quanto mais distante de Deus o homem está, mais distante das pessoas ele deseja viver. No Éden, Eva era a pessoa mais próxima de Adão e nela, ele contemplava o esplendor de quem ele era em Deus. Mas após a queda, ao olhar para Eva, se sentiu exposto e ofendido com a imagem deturpada de si mesmo que passou a refletir nela. Agora ele era um ser indefinido, porque se desconectou de quem o fazia ser. Já não havia beleza e esplendor, mas apatia de espírito e degradação do caráter existencial.
Esta busca pela independência de Deus, ganhou novas proporções a partir dos conceitos que surgiram no decorrer da história. Por exemplo, no estado laico, a sociedade tenta se autogovernar, excluindo Deus de sua existência funcional. No ambiente filosófico, a humanidade tenta ser plenamente capaz de encontrar a resposta para o dilema existencial à parte daquele que é fonte de toda existência. No ambiente ideológico, o homem nega a transcendência existencial de Deus, reduzindo-o a um produto da mente humana. No ambiente científico-acadêmico, nega-se a existência de Deus para se afirmar a deidade do homem como fonte do saber. E no ambiente religioso, se constrói uma imagem de Deus, que melhor atenda aos interesses do publico que se deseja atrair. Quanto mais distante de Deus a humanidade se encontra, mais insustentáveis se tornam todas as estruturas que o homem estabelece. Quanto mais o homem busca ser a partir da sua performance pessoal, mais distante está de sua humanidade, que o diferencia de toda a criação.
QUE ELE SEJA DEUS ENTRE NÓS, PARA QUE SEJAMOS UM POVO PARA ELE.
Olhando a narrativa de Gênesis, vemos que para Eva, seu primeiro filho era uma aquisição, pois esse é o significado do nome Caim. Esta síndrome do homem em tentar ser alguém importante a partir do que se conquista por mérito próprio, é uma consequência da ruptura relacional produzida pelo pecado. Para Eva, gerar vida em meio a recente condenação à morte era um resultado da superação pessoal. Porém, na ocasião do nascimento de seu segundo filho Abel, que significa fôlego ou sopro, ela conseguiu compreender que a capacidade da geração da vida biológica, somente era possível, porque Deus a concedeu a humanidade como um favor gracioso, e uma expressão da Sua natureza criacional e relacional.
Quando Cristo afirma aos seus discípulos que sem Ele nada poderiam fazer (Jo 15.5), entendemos que esta afirmação não é uma figura de linguagem, ou apenas algo condicionado ao aspecto ministerial, mas como afirma Paulo, Deus é que dá a vida a todos, pois somente “nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.24-34).
João Batista, na medida que contemplava o “Eu Sou quem Sou” e vivia para aquele que é a Existência de Tudo, pode conhecer a si mesmo. Por isso ao citar o profeta Isaías, se apresentou como “Eu sou a voz do que clama no deserto” e reafirmou a expressão missional de sua existência, um chamado para que o povo de Deus “endireitasse seus caminhos” e desta forma, “preparasse o caminho” para a chegado do “Eu Sou”, que os faria ser o povo messiânico que Deus elegeu em Cristo.
Por isso, é importante compreendermos, que enquanto vivemos uma busca desenfreada a respeito de nossa identidade pessoal e particular, nos privamos de entender a dimensão do nosso chamado existencial. Enquanto vivemos a tentativa frustrante de fazer coisas grandiosas para Deus, nos autoflagelamos e ferimos as pessoas a nossa volta, usando as habilidades que Deus nos concedeu e nossa vocação, para provar nosso valor diante de Deus e das pessoas. Nossa identidade é conduzida até nós através da genealogia. Não é apenas sobre quem são nossos pais, mas o que lembravam e o que nos entregaram. O significado e o valor da nossa identidade pessoal está contida na identidade histórico-coletiva daqueles que são constituídos como família de Deus. Ali reside nosso propósito existencial, pois como filhos de uma mesma família, somos chamados a nos tornarmos a expressão exata de Cristo. A família de Deus não é apenas aquela que toma o Seu Nome, mas aquela que carrega em si a essência de quem o Pai é, pois Ele nos comprou e nos constituiu como um povo santo e separado para Si.
Que nossa oração seja para que o Eu Sou seja em nós. Que possamos nos conhecer nele. Que o “Eu Sou” traga a existência quem nascemos para ser, que Ele seja Deus entre nós, pois Ele nos formou, nos salvou, nos chamou por nosso nome, e nos constituiu seu povo (Is 43). Pertencemos a Ele! Aquele que é o Eu Sou desde a Eternidade nos ama tanto, que nos faz ser Nele um povo santo, um sacerdócio real sobre a terra, para proclamarmos seu Nome entre os povos, e manifestarmos suas obras na história da humanidade (1Pe 2.9).
Ele se faz ser, para que todos sejamos Nele.
Vamos juntos!